Série: À mesa com Jesus
As últimas palavras que as pessoas dizem pouco antes de morrer geralmente são importantes e sempre lembradas… As de Jesus, então! Na véspera de sua crucificação, ele sentou-se à mesa com o Doze, seus discípulos mais próximos, e celebrou com eles sua última Páscoa. Cumpriu o ritual da histórica celebração, mas não a encerrou como de costume. Instituiu a Santa Ceia, também chamada Eucaristia e prosseguiu com muitas palavras de encorajamento, conformo e orientação. Não foram propriamente suas últimas palavras, pois estas seria ditas na cruz, daí a poucas horas. Entretanto foram seus discursos de despedida…
Esses discursos de Jesus, e a oração que fez em seguida, estão registrados no Evangelho de João, capítulos 13-17. Percebe-se que esse evangelista, justamente o que assentou-se ao lado de Jesus naquela Páscoa, atribuiu grande importância a tudo o que Jesus disse naquela noite; ele dedicou boa parte de seu evangelho a esse registro. Veja: João narrou os três anos ou três anos e meio do ministério terreno de Jesus em apenas 12 capítulos (1-12); o que Jesus disse numa metade de noite, o evangelista registrou em 5 capítulos (13-17); e o que mais aconteceu nos quarenta e três dias seguintes, ele narrou em 4 capítulos (18-21).
O reformador Martinho Lutero, referindo-se a esses discursos de Jesus, escreveu: “O melhor e mais confortante sermão que o Senhor Jesus Cristo pregou na terra, um tesouro e uma jóia impossível de ser comparada com as riquezas do mundo.” Nesta série de mensagens, vou comentar apenas algumas partes dos mesmos.
A glória da cruz. Jo 13.31-33
Por todos os motivos aquela última Páscoa de Jesus com os seus discípulos, num Cenáculo, em Jerusalém, transcorreu num clima paradoxal de alegria e tristeza, conforto e desconforto. Mais para o fim, a identificação do traidor consternou a todos. Mas foi um alívio quando ele saiu…
Estranhamente, a primeira coisa que Jesus disse “assim que Judas saiu”, foi: “Chegou a hora de o Filho do homem ser glorificado e, por causa dele Deus será glorificado […]’” (João 13.31). “Depois que Judas saiu…” Jesus sabia dos intentos diabólicos do traidor. Lamentou? Queixou-se? Ficou deprimido? Não! Tinha uma perspectiva missiológica de tudo. Seus sofrimentos, incluindo o pior deles, a cruz, seriam o cumprimento final de sua missão! Motivo de glória tanto para ele quanto para o Pai!
O título “Filho do homem”, nesse contexto, é particularmente importante, pois lembra que Jesus “Embora sendo Deus […] esvaziou-se a si mesmo […] nasceu como ser humano [tornou-se em semelhança de homens”, diz outra versão]. Quando veio em forma humana, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz” (Filipenses. 2.5-8). Sua morte de cruz seria, ao mesmo tempo, a obediência mais difícil, o clímax de sua missão e o caminho de volta à glória desfrutada antes desse esvaziamento. Na oração que fez um pouco mais tarde, naquela mesma noite, Jesus pediu: “Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho […] Eu te glorifiquei aqui na terra completando a obra que me deste para realizar. Agora, Pai, glorifica-me e leva-me para junto a ti, para a glória que tive ao teu lado antes do princípio do mundo” (João 17.1-5). Em resposta, três dias depois dam norte de Jesus na cruz, Deus, o Pai, o ressuscitou dentre os mortos e “o elevou ao lugar da mais alta honra e lhe deu o nome que está acima de todos os nomes, para que, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre […], e toda língua declare que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus, o Pai” (Filipenses 2.9-10).
O Pai também foi glorificado nele, Jesus; não somente por sua vida santa e obediente, mas também por sua morte expiatória, planejada na eternidade e, paradoxalmente, expressão maior do amor do Pai. Como está escrito: “Deus mostrou quanto nos amou ao enviar seu único Filho ao mundo para que, por meio dele, tenhamos vida […]. Ele nos amou e enviou seu Filho como sacrifício para o perdão dos nossos pecados” (I João 4.9-10).
Suportados com humildade e em submissão aos desígnios de Deus, nossos sofrimentos (mesmo não sendo expiatórios, como os de Jesus), podem ser motivo de alegria, pois nos aperfeiçoam e cumprem propósitos divinos. Resultam em glória! Isto, obviamente, não se aplica aos sofrimentos que nos impomos quando pecamos (Veja 1 Pedro 4.12-16).
2. O mandamento do amor.
Em seguida, Jesus disse: “Meus filhos, estarei com vocês apenas mais um pouco […]. Vocês me procurarão, mas não poderão ir para onde eu vou. Por isso, agora lhes dou uma novo mandamento: Amem uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês devem amar uns aos outros. Seu amor uns aos outros provará ao mundo que são meus discípulos” (João 13.33-34).
“Meus filhos…” [“filhinhos” na versão Revista e Atualizada]. Nos relatos evangélicos, não consta que Jesus tenha se dirigido aos seus discípulos desse modo alguma outra vez. Por que o fez nesse contexto? Possivelmente porque percebeu o quanto eles ainda eram imaturos, crianças espirituais; e também porque estavam tão sofridos, carentes de afeto. Como um pai, quando se despede dos filhos pequenos, antes de uma viagem, Jesus disse aos seus discípulos, carinhosamente: “Filhinhos, estou de partida… Dessa vez vocês não podem ir comigo. Então, comportem-se! Nada de brigas! Da forma como eu os tenho amado e cuidado de vocês, eu quero que, na minha ausência, vocês se amem e cuidem uns dos outros!”
Jesus disse “lhes dou um novo mandamento”. Por que novo? O mandamento para amar o próximo era muito antigo. Deus tinha ordenado a Israel, no Velho Testamento: “Ame cada um o seu próximo como a si mesmo” (Levítico 19.18). Então, o que havia de novo no mandamento de Jesus? A qualificação do amor: “Amem-se uns aos outros”, não mais “como a si mesmos”, mas “como eu os amei”. Antes do amor de Jesus, o amor “a si mesmo” era um bom começo (Mateus 7.12). Mas o amor de Cristo, elevado à altura máxima na Semana da Paixão, é o novo e perfeito padrão (Jo 15.12). Seu amor foi incondicional, altruísta, sacrificial, perfeito. Referindo-se ao sacrifício que faria daí a algumas horas, ele disse: “Não existe amor maior do que dar a vida por seus amigos” (João 15.13).
O amor mútuo daqueles primeiros discípulos de Jesus, e de tantos outros depois deles, seria sua marca aos olhos do mundo. Jesus lhes disse: “Seu amor uns aos outros provará ao mundo que são meus discípulos”. De fato, Tertuliano, autor cristão que viveu entre 160 e 220 d.C, escreveu: “São principalmente os feitos de um amor tão nobre que leva os não cristãos a colocar essa marca em nós. ‘Vejam como eles se amam, como estão dispostos até mesmo a morrer uns pelos outros. E nós os queremos matar!’” (Apologia XXXIX).
Aplicação:
Então, com base nesse exemplo, vemos que a primeira coisa que Jesus espera de nós como seus discípulos é que glorifiquemos a Deus e a ele próprio, mesmo nas circunstâncias mais adversas. O cristão dedicado não vive preocupado com sua glória ou sucesso pessoal, com o que lhe traz honra; ele não está num concurso de popularidade. Ele busca prioritariamente a glória de Deus, e vê em cada circunstância uma oportunidade para alcançar esse propósito.
E, nesse tempo em que Jesus está fisicamente ausente, ele quer que nos amemos uns aos outros como ele nos amou: sinceramente, altruisticamente, sacrificialmente. Será tanto melhor para todos nós, e uma forma de glorificar a Deus em nossos relacionamentos e mostrar ao mundo que somos, de fato, discípulos do Senhor Jesus. Ele faz toda diferença em nossa vida, em nossos relacionamentos.