Graças a Deus pela Reforma!
Jesus prometeu edificar a sua igreja, e assim o fez. Dez dias após sua ascensão, no dia dedicado à Festa do Pentecoste, o Espírito Santo, também chamado Espírito de Deus e Espírito de Cristo, veio para fortalecer e conduzir a igreja. O Espírito seria o agente de toda conversão e de toda santificação. Como Jesus já havia predito nas parábolas da Semente de Mostarda e do Fermento, a igreja cresceu, e cresceu muito (Mt 13.31-33).
Entretanto, como Jesus também havia profetizado, não demorou muito para aparecer joio no meio do trigo ( Mt 13.24-30,36-40). Nos séculos seguintes, a igreja foi se desviando mais e mais dos ensinos de Cristo e dos Apóstolos. Surgiram muitas heresias, entre elas: a salvação pelo mérito pessoal, ou seja, pelas obras; o entendimento de que Maria e outros cristãos do passado, santos, eram intermediários ou mediadores entre os fieis e Deus; a veneração ou mesmo culto aos santos; a adoção de imagens, a princípio, com finalidade didática, mas, depois, como objeto de culto e mesmo proteção supersticiosa; o entendimento de que o pão e o vinho da Santa Ceia, mediante oração do padre, transforma-se em carne e sangue de Cristo (transubstanciação); o primado do bispo de Roma; a infalibilidade papal; o celibato obrigatório para os guias espirituais; a proibição do acesso às Escrituras Sagradas pelo povo; velas, água benta etc. Além disso, o clero deixou de lado a maravilhosa doutrina do perdão gracioso, mediante arrependimento e confissão, e, ameaçando os fieis com a perspectiva do juízo e do fogo do inferno, passou a exigir penitências e dinheiro em troca de indulgências papais e promessa de um lugar no céu. Como se não bastasse, a igreja ainda contaminou-se com muitas superstições e depravação moral.
Então, no século XVI, o Espírito Santo agiu poderosamente na vida de alguns líderes religiosos e os capacitou para uma grande Reforma. Por isso, somos muito gratos a Deus e a estes heróis da fé. Eles fizeram grandes sacrifícios pessoais; alguns deram a vida pela Reforma. Vamos referir apenas alguns, os principais.
Martinho Lutero (Alemanha, 1483-1546).
Este jovem frade agostiniano, teólogo erudito, foi profundamente sensibilizado com o ensino bíblico sobre a justificação pela fé: “O justo viverá por fé” (Rm 1.17); “… o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3.28), e outros textos semelhantes. A partir daí, Lutero tornou-se um dos principais Reformadores.
Este Reformador nunca pretendeu fundar uma nova igreja. Impulsionado pelo Espírito, apegado ás Escrituras, desejou tão somente corrigir os erros predominantes na igreja. Entretanto, a reação dos que detinham o poder eclesiástico e secular foi a mais violenta… Lutero não se intimidou e continuou pregando a mensagem bíblica. Uma autoridade da época, depois de ouvir algumas de suas pregações, profetizou: “Este monge desconsertará todos os doutores, formulará uma nova doutrina e reformará a igreja”. Filipe Melanchton, amigo de Lutero e professor na Universidade de Wittenberg, disse a seu respeito: “Depois de uma longa e escura noite, uma luz parece raiar”. Obviamente, Lutero não foi um frade indisciplinado e revolucionário, mas um cristão apaixonado por Cristo e sua igreja.
Em 31 de outubro de 1517, Lutero fixou na porta da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, 95 Teses, uma lista de proposições religiosas para uma disputa acadêmica. Era a prática naqueles dias. As 95 Teses de Lutero foram o estopim que detonou a Reforma, razão porque esta é celebrada anualmente no dia 31 de outubro.
Lutero corajosamente condenou a venda das referidas indulgências, o celibato clerical, o uso de imagens, a submissão da Igreja ao Estado, a transubstanciação etc. Ele também defendeu fortemente o livre acesso do povo às Escrituras Sagradas (em sua própria língua, não em latim) e, principalmente, escreveu e pregou sobre a justificação pela fé.
Como dito acima, a reação das autoridades foi radical. Em 1521, numa Dieta Imperial, em Worms, Lutero foi instado a renegar tudo o que havia escrito e ensinado, sob ameaça de excomunhão e morte. Depois de muito refletir e orar, o reformador declarou corajosamente:
“A não ser que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras e pela razão, não posso e não irei renegar nada, pois não é nem seguro e nem correto agir contra a consciência e contra a Palavra de Deus. Que Deus me ajude.”
Lutero foi excomungado da igreja, mas escapou da pena de morte. “Sequestrado” por amigos, ficou escondido por um ano no castelo de Wartburg, em Eisenach, onde traduziu o Novo Testamento do grego apara o alemão e escreveu outros livros.
Ulrico Zwinglio (Suíça, 1484-1531).
Este foi um outro grande Reformador. Levantou-se contra a infalibilidade dos papas e dos concílios, e defendeu quase todos os princípios sustentados por Lutero. Antes de morrer, citou, em latim, estas palavras do seu Evangelho favorito, o de João: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Zwinglio, que atuou principalmente em Zurich, na Suíça, vigiou e orou, leu a Bíblia, compreendeu a Bíblia, creu na Bíblia, pregou a Bíblia e obedeceu a Bíblia. Sustentou firmemente que tudo o que não é encontrado explicitamente na Bíblia deve ser abandonado. Morreu em combate quando os exércitos inimigos (forças militares da igreja) atacaram Zurich.
João Calvino (Noyon, França, em 1509 – Genebra, Suíça, 1564).
Calvino foi o mais importante sintetizador da teologia bíblica Reformada do século XVI. Humanista de grande valor, dedicou-se aos estudos jurídicos e à interpretação das leis dos homens, chegando, por essas vias, ao estudo das leis de Deus. Em 1534, renunciou aos benefícios eclesiásticos, que eram sua principal fonte de renda e, empreendeu uma verdadeira peregrinação espiritual. Refugiou-se em Basiléia, na Suíça, onde escreveu e publicou suas famosas Institutas da Religião Cristã, que enfocam temas fundamentais do Cristianismo, tais como os chamados
CINCO PONTOS DO CALVINISMO
Os ensinos de Calvino foram adotados e ampliados em alguns pontos por outros Reformadores como Guillaume Farel, Théodore Beza e John Knox. Este último foi um grande Reformador na Escócia. Em Genebra, Suíça, onde Calvino realizou uma grande obra, há um enorme monumento, o chamado Muro dos Reformadores, esculturas desses quatro reformadores: G. Farel, J. Calvino, T. Beza e J. Knox.
Temas da Reforma.
Os temas doutrinários principais da Reforma, os que Lutero mais enfatizou, foram:
(1) A Justificação pela fé, conforme ensinada nas epístolas de Paulo: Rm 3.23,24,28; Gl 2.16; Ef 2.8-9 e noutras passagens. Lutero não ignorou importância das obras, enfatizou que, no que diz respeito à salvação, a fé é a causa, as obras são o efeito. Assim ensinam também as igrejas Reformadas de hoje. O m esmo apóstolo que escreveu: “O homem é justificado pela fé, independentemente das obras” (Rm 3.28), também escreveu: “Os que têm crido em Deus devem ser solícitos na prática de boas obras” (Tt 3.8). E o apóstolo Tiago enfatizou: “A fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17).
(2) A supremacia das Escrituras Sagradas sobre a Tradição. Os dogmas e heresias que predominavam na igreja, na Idade Média, foram decididos em Concílios, sem o necessário respaldo bíblico. Tradição é a soma dessas interpretações e decisões conciliares. A Reforma recolocou as Escrituras acima da Tradição. Calvino dizia: “Somente as Escrituras, Somente a fé, Somente Cristo…” Ainda hoje, quando fazem confissão pública de sua fé e recebem o batismo, os Cristãos Reformados afirmam: “Creio que Escrituras do Velho e do Novo Testamento são a Palavra de Deus, nossa única e infalível regra de fé e prática”. Ver Js 1.8; Sl 1.2; Jo 5.39 e At 17.11.
(3) O sacerdócio universal dos crentes. Dizia-se, na Idade Média, que os fiéis só podiam acercar-se de Deus e receber benefícios através dos clérigos, os sacerdotes ordenados. Todavia, as Escrituras referem muitos indivíduos comuns, crentes, aproximando-se de Deus, confessando seus pecados diretamente a Deus e recebendo seu perdão. Ef 6.17-19; Hb 10.19-22. O apóstolo Pedro ensinou claramente que todo verdadeiro cristão é parte povo de Deus, e é sacerdote (I Pe 2.9-10). Que privilégio, que responsabilidade!
Precisamos de uma outra Reforma.
Uma palavra final, ainda que muito breve e superficial sobre a igreja hoje.
Boas notícias. Igreja Católica Romana, que se opôs tão fortemente à Reforma, no século XVI, e, nos séculos seguintes, perseguiu Reformados, Protestantes e Evangélicos, tem mudado muito. Alguns dos seus dogmas, mesmo sem o respaldo bíblico, permanecem inalterados, mas há padres e leigos católicos pregando o Evangelho, anunciando Jesus Cristo como único salvador, chamando ao arrependimento, à conversão e à pratica das verdadeiras boas obras. Ao contrário do que fazia até anos recentes, a igreja tem divulgado as Escrituras e encorajado o povo a lê-la. Os chamados Cursilhos da Cristandade contribuíram muito para isso. Conheci e conheço pessoas que, dizendo-se católicas, crêem na sã doutrina evangélica e vivem uma vida autenticamente cristã.
A Igreja Reformada (sem fazer aqui distinção entre os diferentes ramos da Reforma) bem que está precisando de uma nova reforma. Até porque, gostamos deste lema antigo: “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est” (Igreja Reformada Sempre se Reformando), de autoria do reformador holandês Gisbertus Voetius (1589-1676). Igrejas e indivíduos orgulham-se de sua tradição e liturgia “reformada”. Orgulham-se mesmo, pecaminosamente. E, todavia, defendem uma teologia e uma ética excessivamente liberal. E há denominações ditas protestantes ou evangélicas, também identificadas como neo-pentecostais, que parecem estar voltando à Idade Media. São sincretistas, uma mistura de evangelho, catolicismo, espiritismo e até umbandismo e animismo. Reúnem multidões, sim, porque o povo tem atração por shows, espetáculos, e facilmente se deixa enganar com promessas de milagres e prosperidade material. Pouco se ensina a Bíblia nessas reuniões…
Devemos dar graças a Deus pela Reforma do século XVI! Mas também devemos orar por uma reforma da igreja no século XXI, no Brasil e em muitas outras partes do velho mundo, que uma vez foi cristão, celeiro de missionários verdadeiramente cristãos.
Pr. Éber Lenz César eberlenzcesar@gmail.comLeia também esta interessante e instrutiva ENTREVISTA COM LUTERO, de autoria do Pr. Elben Lenz CésaR, publica na revista ULTIMATO
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