III. Tempo de Renovar… com o Espírito
Dissemos anteriormente, nesta série de mensagens, que toda renovação pressupõe a existência da coisa, sentimento ou relacionamento que se quer renovar. Abraão, no Velho Testamento, renovou o relacionamento que tinha com Deus; Pedro, no Novo Testamento, renovou o relacionamento já estabelecido com Cristo. Nesta mensagem, vamos refletir sobre a necessidade que temos, muitas vezes, de renovar o relacionamento que já temos com o Espírito Santo.
Não se trata, propriamente, de renovações distintas, situadas em eras ou dispensações diferentes, como se a renovação dos crentes do Velho Testamento fosse com Deus Pai, a dos discípulos de Jesus, no tempo dos Evangelhos, com o Deus Filho, e a dos crentes posteriores ao Pentecostes fosse com o Deus Espírito Santo. Não. Os crentes de todas as eras, quando desgastados, enfraquecidos ou em pecado, renovaram-se e renovam-se com o Deus Trino: Pai, Filho e Espírito Santo. A distinção é mais didática do que teológica, e leva em conta o Agente Divino mais mencionado nos diferentes contextos da história e doutrina bíblicas.
Em cada caso, a renovação é essencialmente espiritual, tem a ver com o que Paulo chamou de “homem interior” (II Co 4.16). Assim sendo, e tendo em vista o fato que, nesta mensagem, vamos falar da renovação com o Espírito, é importante fazer uma ressalva sobre o uso da expressão renovação espiritual.
Isto é pentecostalismo, dizem alguns!
Não, não é, a despeito das conotações que a expressão adquiriu nestas últimas décadas. Não cabe comentar aqui os desvios doutrinários do movimento de Renovação Espiritual, que, no Brasil, começou nos anos 60. Basta dizer que, desde então, em certos círculos evangélicos e católicos (ditos carismáticos), a expressão renovação espiritual ganhou conotações doutrinárias estranhas aos ensinos do Novo Testamento. A mais grave, a que mais tem confundido os crentes e dividido igrejas é a que se refere ao chamado “batismo com o Espírito Santo”. A maioria das Igrejas Renovadas, distintas das Igrejas Reformadas históricas, creem que a renovação espiritual ocorre simultaneamente com esse “batismo” e o “falar em línguas”. Eles a chamam de “segunda bênção”, posterior à conversão. Veremos à frente, que esse não é o ensino do Novo Testamento.
Muitas Igrejas Reformadas, históricas e tradicionais, evitam falar de renovação espiritual justamente por causa dessa conotação agregada à expressão. O que é lamentável. O uso distorcido da palavra renovação ou da expressão renovação espiritual não invalida seu significado bíblico e nem anula sua necessidade. As igrejas coletivamente e os crentes individualmente, com frequência, necessitam de uma boa renovação espiritual. A renovação é boa quando alicerçada na Palavra de Deus e na sã doutrina. Essa renovação é transformadora, restauradora e duradoura.
A propósito, você teria alguma dificuldade com a história de Abraão e sua renovação com Deus? Ou com a história de Pedro e sua renovação com Cristo?
O batismo com o Espírito Santo
No Velho Testamento, há uma promessa de Deus, o Pai, referente a um derramamento do Espírito: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito… “ (Joel 2.28). Jesus prometeu aos seus discípulos: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade… ele estará em vós…” (João 14.16-17). Depois de sua ressurreição e antes de deixar este mundo, Jesus “determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai…” E acrescentou: “Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (Atos 1.4-5).
Estas passagens indicam claramente que o batismo com o Espírito Santo aconteceria em um dia aprazado, histórico. E foi o que aconteceu. Dez dias depois da ascensão de Cristo, durante a festa judaica do Pentecostes, estando os discípulos “reunidos no mesmo lugar… todos ficaram cheios do Espírito Santo…” (Atos 2.1-4). Pedro explicou que aquilo era o cumprimento da promessa do Pai, feita através do profeta Joel e repetida por Jesus (Atos 2.16ss).
Batismos semelhantes ocorreriam em outras três circunstâncias, com ou sem o falar em línguas:
- Em Samaria, com os conversos de Filipe, que era diácono. Atos 8.14ss.
- Na casa de Cornélio, centurião romano, residente em Cesareia (Atos 10. Ver 10.44-48).
- Em Éfeso, com alguns discípulos de João Batista (Atos 19.1-7).
Estes são os únicos casos bíblicos de “batismo com o Espírito Santo” acompanhado de sinais externos miraculosos como o “falar em línguas”. E cada um destes casos se explica…
- Pentecostes. Batismo inaugural, cumprimento de profecia… Os discípulos precisavam daqueles sinais externos para identificarem a experiência como sendo o cumprimento histórico da promessa do Pai, em Joel, e de Jesus… As línguas que falaram foram as das nações ali representadas. E eles as usaram para proclamar “as grandezas de Deus” e o evangelho. Cerca de três mil pessoas se converteram…
- Samaria. Os samaritanos eram desprezados pelos judeus, e vice versa. Filipe não era apóstolo, mas diácono. A obra missionária estava apenas começando. Os judeus precisavam entender que a graça da salvação e o dom do Espírito se destinavam também aos samaritanos. E não há referência ao “falar em línguas”, neste caso.
- Cornélio, seus parentes e amigos íntimos, todos gentios. De igual modo, Pedro e seus companheiros judeus, que nem sequer entravam nas casas dos gentios, precisavam entender de uma vez por todas que o evangelho, a salvação e o dom do Espírito não eram patrimônio dos judeus, mas seriam para os gentios também… Eles se convenceram disto quando ouviram Cornélio e demais gentios falando em línguas, como eles próprios haviam falado no Pentecostes, quando receberam o Espírito (Ver Atos 10-11).
- Os doze discípulos de Éfeso tinham ouvido fragmentos do ensino de João Batista… Ao que parece, não eram “convertidos”; não sabiam muito sobre Jesus e nada sabiam sobre o Espírito Santo! Paulo lhes explicou melhor as bases do evangelho. Eles creram e foram batizados “em o nome do Senhor Jesus”. Em seguida, o apóstolo lhes impôs as mãos “e veio sobre eles o Espírito Santo e tanto falavam em línguas como profetizavam”.
Que dizer de todos os outros convertidos referidos no livro de Atos e nas Epístolas? Por que não há qualquer menção ao “batismo com o Espírito Santo” seguido do “falar em línguas”? (Atos 2.37-41; 8.12). Isto parece indicar que, desde então, os que creram e os que hoje creem em Cristo recebem o Espírito juntamente com o perdão de seus pecados, a reconciliação com Deus, a salvação. Na verdade, tornam-se participantes do Espírito, que já está com a igreja ou na igreja.
Está escrito que Jesus “morreu… para reunir em um só corpo os filhos de Deus” (João 11.51-52). Paulo escreveu aos Coríntios: “Assim como o corpo é um e tem muitos membros… assim também com respeito a Cristo…” (subentendido, o corpo de Cristo, a igreja). E acrescentou: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo…” (I Coríntios 12.12-13).
O Espírito atua no coração e na mente do pecador, convence-o do seu pecado (João 16.8), leva-o ao arrependimento, opera o seu “novo nascimento” (João 3.5,6), e o batiza no corpo de Cristo, tornando-o participante de suas graças (iluminação, direção, conforto, santificação, poder e capacitação para o serviço).
Os crentes já têm o Espírito!
O ponto principal que queremos enfatizar aqui é que os crentes, as pessoas que já se arrependeram dos seus pecados, creram que Jesus Cristo é o Filho de Deus, e o receberam como seu Salvador e Senhor, têm o Filho e, consequentemente, a vida eterna: “Quem crê no Filho tem a vida eterna…” (João 3.36). “Aquele que tem o Filho, tem a vida…” (I João 5.12).
Naturalmente o Filho se faz presente em nossos corações pelo Espírito Santo, também chamado Espírito de Deus e Espírito de Cristo. Trata-se, obviamente, de uma presença espiritual, não física. Jesus mesmo, o Filho de Deus, que desde a encarnação e continuando depois da ressurreição, tem um corpo físico, está no céu… (Atos 1.3-9; Marcos 16.19). Paulo escreveu aos romanos: “… se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Romanos 8.9). Se é de Cristo, se é cristão, tem o Espírito de Cristo! O Espírito é, ao mesmo tempo, o “selo” que Deus põe nos salvos e o “penhor” que nos dá, como garantia de nossa herança celestial: “… Deus… nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nosso coração” (II Coríntios 1.22; Efésios 1.13-14).
Os cristãos devem praticar os ensinos da Palavra de Deus, devem obedecer ao seu Mestre e Senhor Jesus Cristo, devem ser sensíveis à voz e à direção do Espírito, devem viver vidas santas. Aliás, é o Espírito quem os santifica (II Tessalonicenses 2.13). Contudo, assim como a justificação ou salvação, a presença do Espírito em nosso coração independe das obras (Romanos 3.28). Os cristãos de Corinto estavam divididos entre si e cometendo pecados graves. Mesmo assim, o apóstolo Paulo escreveu-lhes advertindo-os e corrigindo-os:
“Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” E depois: “Fugi da impureza… Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus?” (I Co 3.16; 6.18-19).
Crentes desgastados, enfraquecidos, em crise ou em pecado não precisam buscar o Espírito ou o batismo com o Espírito, pois já o têm; precisam, sim, é de uma renovação com o Espírito. A recomendação bíblica para os crentes não é “busquem o Espírito” (seja lá como for), mas, sim, “Enchei-vos do Espírito!” (Efésios 5.18).
Crentes cheios do Espírito, andando no Espírito
Isto não significa que o crente tem um pouco do Espírito hoje, um pouco mais amanhã, e assim sucessivamente, até ficar cheio. O Espírito Santo é uma Pessoa, a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Não é uma força ou energia da qual se pode ter um pouco mais ou um pouco menos. Jesus disse: “Deus não dá o espírito por medida” (João 3.34). A expressão “encher-se do Espírito” está num contexto que a torna mais clara. Paulo disse aos efésios: “Não vos embriagueis com vinho… mas enchei-vos do Espírito…” (Efésios 5.18). Estar “cheio do Espírito” é o mesmo que estar impregnado do Espírito de Cristo, inteiramente submisso, obediente, amoroso. Daí a expressão “plena submissão”, que é título de um ou mais livros sobre vida cristã vigorosa, comprometida, obediente, santificada. Como alguém já disse:
“Não se trata de quanto você tem do Espírito, mas de quanto o Espírito tem de você”.
Uma das passagens mais esclarecedoras sobre a vida cheia do Espírito é Gálatas 5.16-26. Leia observando o seguinte:
- Precisamos andar no Espírito (v.16). O verbo andar aqui indica duas coisas: (a) Sequência, continuidade, pois quando andamos, damos um passo após outro, vivemos um dia após outro; (b) Vida, ou seja, nosso dia a dia, nossas ações e reações, nossas obras.
- Precisamos deixar-nos guiar pelo Espírito (v. 18). Outros textos dizem que esta é uma das funções do Espírito.
- Precisamos ter consciência do conflito espiritual (v.17). “A carne milita contra o espírito…”. Ver Romanos 8.12-13; Colossenses 3.5.
- Precisamos saber quais são as “obras da carne” e qual é o “fruto do Espírito”, e decidir o que realmente queremos em nossa vida, o que agrada a Deus (vs. 19-22).
- Os que são mesmo de Cristo, não ficam na dúvida… (vs. 24).
- E nada de vanglória, de provocação, de inveja (vs.25-26).
Então, que tal refletir sobre tudo isto, fazer um autoexame e, se necessário, renovar com o Espírito, encher-se do Espírito e tornar-se um cristão mais comprometido, mais entusiasta, mais obediente, mais santo? Todos precisamos, com frequência!
Pr. Éber Lenz César